Amor, esta farsa fora de contexto

Marina Martins
3 min readFeb 9, 2022

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Amor, verdade contextualizada

Por algum estranho erro do algoritmo, uma fonte verificadora de fatos analisou meu story, onde eu compartilhava meu último texto, como informação falsa e fora de contexto, relacionando-o a uma matéria que não tinha absolutamente nada a ver com nada. Um texto falando sobre o amor e a dor, baseado nos meus sentimentos e nas reflexões de bell hooks, de alguma forma caiu em uma análise de fatos. Palavras equivocadamente consideradas como descontextualizadas e incorretas.

Contexto é o conjunto de elementos que ajudam o receptor a entender a mensagem transmitida, contribuem para o significado e encadeamento do discurso. Lembrei, então, de um texto que escrevi uns meses atrás — no qual também citei bell hooks, pra variar. Nele, falei também de As Sem-Razões do Amor, do Drummond, que era um dos meus poemas preferidos quando eu era adolescente.

Hoje, já não concordo mais tanto com o que o poeta diz. Para Carlos, amamos porque amamos, não há explicação, que é o oposto ao que bell defende: o amor tem explicação, é escolha, é ação, “o amor é o que o amor faz”. Não vem do nada e precisa de solidez, de construção, como Valter Hugo Mãe escreve em O Paraíso são os outros, “gostarmos de alguém (…) é como fazer prédios ou cozinhar para mesas de mil lugares. Mas amar é um trabalho bom”. Ainda que às vezes seja árduo.

O tal texto era uma declaração de amor citando diversos motivos para estar amando, mais para cem do que sem razões, como escreveu Drummond. Peguei emprestado de bell hooks o nome do primeiro capítulo de seu livro, Clareza: por o amor em palavras. Contei vários elementos que faziam aquilo tudo nascer, ser regado e crescer em mim. Um texto cheio de contexto, como acredito que seja tudo o que escrevo.

Por um erro do algoritmo, um pane no sistema, uma publicação é equivocadamente analisada como algo que não é. Mas é por acertos no algoritmo e pleno funcionamento do sistema — talvez mais os nossos pessoais do que os virtuais, não que estejamos plenamente funcionando, enfim — , que certos amores começam a nascer. As trocas de informações verdadeiras e validadas crescem e se intensificam, o contexto se cria e se multiplica em vários. Vários contextos. Vários textos.

Por um acerto do algoritmo, paixões se criam a partir de aplicativos, respostas a stories podem ser certeiras e as primeiras conversas podem adentrar a madrugada. Por um acerto do algoritmo, muita coisa pode acontecer, inclusive panes no sistema. Panes em mentes que geram falsas informações para elas mesmas. Panes em corpos que não entendem como aquilo tudo chegou até ali, mesmo tendo cem razões ou mais. Panes em sistemas que compartilham tanta verdade, que boom. Amor pode ser feito lava de vulcão, tsunami (que não quer saber de onda, como canta Luedji Luna).

Acho que uma das explicações possíveis do amor deve ser isso, então.

Amor é algo que brota irrompendo sistemas. Tipo flor no asfalto. Planta em rachadura. Tão pequenino, tão imenso.

Sim. Deve ser isso. Deve ser.

O amor, de fato (verificado e contextualizado) -

O amor, de fato, questiona, enfrenta e desestabiliza o sistema.

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Marina Martins

Roteirista, escritora, cineasta, fotógrafa, carioca, 27 anos. No Instagram: eumarinanina | corpocru | ninanmartins